Abro um jornal online nacional e deparo-me com a seguinte frase, em primeira página, atribuída a José Maria Neves (JMN), Primeiro-Ministro de Cabo Verde: «Que ninguém assuma a paternidade da democracia porque a democracia é uma vitória de todos os cabo-verdianos e não dos partidos políticos».
Achei a afirmação facilmente desmontável por várias razões: i) primeiro porque é o próprio JMN, na mesma convenção, a dizer que existe um partido da Independência (o PAICV, o seu partido)! Afinal os partidos protagonizam mudanças políticas? Ninguém acredita que a Independência possa ser atribuída a um partido e a Democracia não; ninguém acredita que os combatentes «diplomatas» possam ser heróis e os líderes da mudança democrática não; Aliás, por essa ordem de ideias, o MPD vai ter que dizer que nem sequer o PAIGC conquistou coisa alguma: o mérito seria estrangeiro e externo (movimento para a descolonização, ONU, 25 de Abril, Almeida Santos, Governo português!). Conta-se até que quando a delegação cabo-verdiana dos negociadores da independência se deslocou a Portugal para assinar o Acordo da Independência (19/12/74), o texto já estava pronto, da autoria de Portugal, como que a dizer que não havia nada para Acordar mas uma Oferta simplesmente (porque não houve luta no território e porque o poderio militar de Cabo Verde era inexistente para impor força a Portugal; conferir essa ideia In Memórias, de Almeida Santos). Ora, se formos pela teoria do demérito, não vai restar grande mérito ao PAICV e aos nossos combatentes «diplomatas» nesta história; ii) em segundo, é a própria sigla do PAICV a ostentar o «I» de partido da independência; iii) em terceiro lugar, tenho para mim que a paternidade da democracia não se conquista com uma Resolução (Resolução do Conselho Nacional do PAICV sobre o regime político, de 19 de Fevereiro de 1990). Tal como quando se constrói qualquer edifício, o pai do imóvel não é aquele que emite a licença de construção (a Câmara Municipal) mas aquele que constrói efectivamente, aquele que contrata o projecto, pede a licença, escava as fundações, sobe as paredes, põe betão na cobertura e inaugura a moradia. Na construção da Democracia em Cabo Verde, o PAICV emitiu a Resolução (licença camarária) e o MPD fez a essência do Edifício, construiu o Prédio, fez a Obra (nova Constituição, novas instituições, novas leis, novo programa político e económico, ruptura da ordem anterior). De todo o modo, compreendo o deslize de JMN. É que, nesta discussão toda sobre quem é o Pai da Independência ou da Democracia, ele não é pai nem de um nem do outro, ele é «filho» de ambos. Seguidor de Pedro Pires, no primeiro momento, e de Carlos Veiga depois do segundo.
Por: www.miltonpaiva.net
Achei a afirmação facilmente desmontável por várias razões: i) primeiro porque é o próprio JMN, na mesma convenção, a dizer que existe um partido da Independência (o PAICV, o seu partido)! Afinal os partidos protagonizam mudanças políticas? Ninguém acredita que a Independência possa ser atribuída a um partido e a Democracia não; ninguém acredita que os combatentes «diplomatas» possam ser heróis e os líderes da mudança democrática não; Aliás, por essa ordem de ideias, o MPD vai ter que dizer que nem sequer o PAIGC conquistou coisa alguma: o mérito seria estrangeiro e externo (movimento para a descolonização, ONU, 25 de Abril, Almeida Santos, Governo português!). Conta-se até que quando a delegação cabo-verdiana dos negociadores da independência se deslocou a Portugal para assinar o Acordo da Independência (19/12/74), o texto já estava pronto, da autoria de Portugal, como que a dizer que não havia nada para Acordar mas uma Oferta simplesmente (porque não houve luta no território e porque o poderio militar de Cabo Verde era inexistente para impor força a Portugal; conferir essa ideia In Memórias, de Almeida Santos). Ora, se formos pela teoria do demérito, não vai restar grande mérito ao PAICV e aos nossos combatentes «diplomatas» nesta história; ii) em segundo, é a própria sigla do PAICV a ostentar o «I» de partido da independência; iii) em terceiro lugar, tenho para mim que a paternidade da democracia não se conquista com uma Resolução (Resolução do Conselho Nacional do PAICV sobre o regime político, de 19 de Fevereiro de 1990). Tal como quando se constrói qualquer edifício, o pai do imóvel não é aquele que emite a licença de construção (a Câmara Municipal) mas aquele que constrói efectivamente, aquele que contrata o projecto, pede a licença, escava as fundações, sobe as paredes, põe betão na cobertura e inaugura a moradia. Na construção da Democracia em Cabo Verde, o PAICV emitiu a Resolução (licença camarária) e o MPD fez a essência do Edifício, construiu o Prédio, fez a Obra (nova Constituição, novas instituições, novas leis, novo programa político e económico, ruptura da ordem anterior). De todo o modo, compreendo o deslize de JMN. É que, nesta discussão toda sobre quem é o Pai da Independência ou da Democracia, ele não é pai nem de um nem do outro, ele é «filho» de ambos. Seguidor de Pedro Pires, no primeiro momento, e de Carlos Veiga depois do segundo.
Por: www.miltonpaiva.net
Sobre esse assunto, acho que os dois partidos se portam como duas crianças, bem a jeito de um "o meu pai é forte que o teu".
ResponderEliminarO MpD e o PAICV deviam pensar, seriamente, a considerar tais conquistas como conquistas do povo cabo-verdiano e não algo que lhe ofereceram numa bandeja de ouro.
Numa democracia de corpo feito, essas coisas funcionam assim.