A Política é sobretudo, uma questão de atitude e de espírito de serviço público
Depois de uma semana a recarregar baterias na minha lindíssima e inimitável Vila da Igreja, Mosteiros, coberta de verde e mar azeite, aliás inexpectável nesta altura do ano na ilha do vulcão, estou de volta para o sempre interessante e estimulante convívio dos meus amigos leitores.
Não podia, como é evidente, ignorar um dos factos políticos mais marcantes das últimas semanas: O XII Congresso do PAICV, marcado por um grande investimento na logística e no marketing e cobertura digna por parte da comunicação social indígena.
Qualquer congresso de um partido da área do poder (no nosso caso, PAICV ou MpD) deve poder corresponder a dois desafios fundamentais: Por um lado o relançamento do partido para os desafios eleitorais, dotando-o de instrumentos organizacionais adequados aos novos tempos e renovando as suas estruturas e protagonistas e por outro lado assumir ou reforçar o seu compromisso com os cidadãos quanto às metas e desafios da governação, criando as condições para o aumento da confiança das populações e dos investidores na economia e no sistema político.
A LIDERANÇA DA AGENDA POLÍTICA
Sem querer tirar o mérito a José Maria Neves, político sagaz e de boa capacidade comunicativa, tenho por mim que, quer na abertura, quer no encerramento do Congresso, terá exagerado na atenção que dispensou ao MpD e particularmente ao seu líder, Carlos Veiga. Até parecia, nalguns momentos, estar-se perante um líder do oposição a dirigir-se ao Chefe do Governo. Dizia e bem, numa conversa animada, o meu amigo Filinto Elísio que, o líder do PAICV tem andado a reboque das intervenções do líder do MpD, estando Veiga a marcar claramente a agenda política nacional. O protagonismo do Presidente do MpD no processo de revisão da Constituição da República, as investidas na diáspora, os encontros com representações diplomáticas no país e o posicionamento do MpD face ao investimento do INPS na Electra são prova bastante.
Em intervenções recheadas de “gorduras” (um bom assessor de comunicação eliminava-as à partida), José Maria Neves escolheu desde logo o seu alvo: Diabolizar o líder do MpD e a governação de 90, esperando com isto poder animar as hostes internas e unir o partido face ao difícil combate com um adversário sempre incómodo, como Carlos Veiga. Aliás, qualquer observador atento percebe que o PAICV já escolheu a sua estratégia de combate político: Comparar para poder manchar a governação de 90, transmitindo a ideia, amiúde veiculada, de que os dez anos da sua governação são de longe melhores que os do MpD. Se os cabo-verdianos acreditam nesta tese (quase que imposta pelos situacionistas e responsáveis internacionais de duvidosa intencionalidade e imparcialidade) constituirá motivo para posterior análise.
Esperava-se, pois, um discurso de homem de Estado e virado para os grandes desafios do país, quais sejam, o combate ao desemprego, à pobreza, à redução das assimetrias sociais e regionais e ao crescimento da economia. Sobre o prometido crescimento a dois dígitos e o desemprego a um dígito nem um parágrafo, preferindo um discurso emotivo e com muitas evasivas, próprio de um líder da extrema esquerda ou de um líder religioso (lembrem-se das gorduras?). Não se pode estranhar o facto do Líder do PAICV ter apelado a um reposicionamento ideológico do partido, assumindo-o de forma definitiva como partido de esquerda, em contraponto com a realidade governativa, que tem ao longo dos anos descurado questões sociais, levando o próprio MpD a propor uma nova geração de políticas sociais, capaz de contribuir para um maior equilíbrio social e regional.
A RELEGITIMAÇÃO DE NEVES E A RENDIÇÃO DE FILÚ
Com altos e baixos, deve reconhecer-se que este Congresso relegitimou a liderança de José Maria Neves e a rendição inevitável de Felisberto Vieira. A forma como Neves interpretou a disponibilidade de Filú para ser um dos vice-presidentes do partido, permitiu-lhe deixar recados muito claros quanto à participação política dentro do PAICV. Daí ter falado, não raras vezes em tolerância, liberdade de opinião e de competição interna, num claro desafio ao seu eterno rival na organização. José Maria aproveitou este Congresso para mostrar definitivamente sobre quem manda no PAICV. Terei falhado nas minhas previsões, quando há um mês projectei a hipótese de Filú vir a ser uma das grandes novidades no conclave tambarina. Os microfones da rádio e da televisão traíram-no, seguramente.
Na política a indecisão e a falta de consistência podem custar muito e os apoiantes de Filú sabem-no e bem. Ao se disponibilizar para altas funções na cúpula do partido, o dirigente máximo do PAICV em Santiago Sul hipotecou as suas hipóteses de uma liderança firme e estratégica de uma sensibilidade no seio do partido. Filú poderá pagar por muitos anos a forma pouco inteligente como geriu o actual processo político interno, tendo sido relegado para lugar de segundo plano. A meu ver, Júlio Correia (meu adversário nas autárquicas de 2000 nos Mosteiros), também ele relegado para lugares medianos no partido, tem aqui oportunidade única para construir uma solução de liderança futura no PAICV.
Apesar de ter considerado as várias sensibilidades na composição dos órgãos nacionais do partido, o facto é que Neves coloca nos principais lugares de responsabilidade e visibilidade políticas, dirigentes que lhe são próximos, como Manuel Inocêncio Sousa, Basílio Ramos, Orlando Sanches (peso pesado no interior de Santiago), Armindo Maurício, Cristina Fontes e Janira Hopffer Almada, esta última com uma ascensão interessante no partido e no Governo.
Se é verdade que a liderança, nos tempos hodiernos assume-se como processo de convergência entre as diversas tendências existentes nas organizações, não é menos verdade que, Neves colocou mais uma pedra importante no seu processo de afirmação definitiva no PAICV, assumindo-se como a figura que faz o contraponto com Pires, actual Chefe de Estado.
A GESTÃO DAS PRESIDENCIAIS
O controlo que hoje Neves detém da máquina partidária, permitiu-lhe adiar a discussão do dossier presidencial durante o Congresso, que contou com a presença visível e permanente dos potenciais candidatos, Aristides Lima, Manuel Inocêncio Sousa e David Hopffer Almada. Trata-se de um dado importante na análise do real poder que possui no seio do partido, o que lhe garante legitimidade e autoridade para agendar para o momento mais oportuno a questão presidencial, que promete revelar-se numa batata quente para a direcção do partido. Não se revelará fácil descartar figuras importantes no sistema, como Aristides lima, Hopffer Almada ou Manuel Inocêncio. É que, não se pode colocar de parte, uma possível candidatura de Neves às mesmas eleições presidenciais. A separação das legislativas e presidenciais para seis meses (fruto do recente acordo de revisão constitucional) veio colocar em cima da mesa um conjunto de cenários, impensáveis no antigo contexto eleitoral.
ÚLTIMA HORA: VISITA DE CARLOS VEIGA AO FOGO
Tive a possibilidade de acompanhar o Presidente do MpD na sua recente visita ao Fogo, tendo na agenda o caso de abuso de autoridade da Polícia Nacional contra o coordenador local do MpD, Luís Alves (a quem manifesto a minha total solidariedade) e contactos com populações e estruturas locais do partido.
Pude notar em Veiga, político com uma grande sensibilidade para a defesa dos direitos das pessoas e do cumprimento da lei e da constituição por parte das autoridades policiais. Foi igualmente, notória a grande confiança que as populações depositam no líder do MpD, enquanto homem defensor da lei e do Estado de Direito Democrático.
Nota importante de registo, é o desejo e convicção demonstrados por Veiga quanto à priorização do Fogo para o próximo ciclo eleitoral e de governação. Entendo que o crescimento do partido na ilha é sobretudo uma questão de atitude, que exigirá engajamento, espírito de trabalho e de missão de todos os amantes da liberdade, da democracia e de um “Djarfogo” mais próspero, capaz de garantir condições locais, onde todos possamos realizar um projecto de vida. É seguramente, um sonho de todos nós.
Mas, qualquer congresso, ou similar, não é para consumo interno e para a diabolização do(s) adversário(s)?
ResponderEliminarA mim, nessas reuniões politico-partidárias, preocupa-me o nível de linguagem que se usa e a ausência de propostas.