segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A “NAÇÃO ENERGÉTICA"

Cabo Verde evoluiu muito nos últimos vinte anos. Ninguém tem dúvida!

Quem não se lembra do país dos anos oitenta? Quem não se lembra do país que tinha apenas dois liceus?
Quem não se lembra das famosas “bichas”, à porta da Empa, para comprar um saco de maçã ou de laranja?
Quem não se lembra do país que tinha meia dúzia de quadros? Quem não se lembra do país onde uma grande maioria da população tinha um único par de “sapatos de igreja e de escola”? Quem não se lembra do país que era preciso autorização do governo para viajar para fora do país? Quem não se lembra?


Se é este o nosso referencial, o nosso país deu um salto gigante. Isto é indiscutível!

No entanto, se a comparação for feita entre a década de 90 e a actual década de governação do PAICV, muita coisa vai mal.

Reconheço, também, que houve alguns ganhos. No domínio das Infraestruturas, da Educação, das Telecomunicações, da Informatização do Estado, da Saúde, do Turismo, da Politica Externa ou da Segurança Social.

Hoje, temos um país que já atingiu o nível de desenvolvimento médio. Grande ganho!

Ora, pergunta-se: Não podíamos e devíamos estar melhor? É claro que sim. Onde? Em vários sectores que parecem ter parado no tempo, ou simplesmente não existem. Sectores onde este governo falhou redondamente.

Refiro-me à Justiça, à Administração Pública, à Segurança, à Comunicação Social, à Habitação, ao Ordenamento do Território, à Pesca, à Agricultura, aos Transportes Marítimos, à Indústria, à Investigação ou à Descentralização/Regionalização.

Mas não é só isto!

Há aspectos que têm, definitivamente, de ser banidos da nossa sociedade. Falo da pobreza, do desemprego, da incivilidade, da violência doméstica ou de abuso a menores.

Entretanto, há um sector que se tem destacado, em muito, pela negativa: a Energia (e, por tabela, a Água, visto que a dessalinização da água do mar corresponde, hoje, 93% da capacidade de produção).

Basta ver as nossas facturas de luz e de água. Basta tentar acender a luz ou abrir as nossas torneiras lá de casa. Basta ir às bombas atestar o depósito do carro. Basta tentar comprar o gasóleo para a faina. Basta ir aos chafarizes. Ou, simplesmente, basta ir comprar petróleo na mercearia ao lado.

Tudo isto tem um porquê: o falhanço e ausência total da política energética na última década da governação do PAICV.

A energia foi, sem dúvida (a par do combate ao desemprego), o maior falhanço do governo Tambarina.

Falharam em vários aspectos: na segurança e fornecimento, na sustentabilidade, na qualidade, na eficiência e, fundamentalmente, no preço final ao consumidor.

As perdas de energia eléctrica continuam a registar valores preocupantes. Passaram de 22.7% no ano de 2001 para 26.1% no ano 2009 (um aumento de 15%).

Ou seja, estamos a falar de 77.064 MWh de energia perdida, que é o equivalente ao consumo de 3 grandes ilhas: S.Antão (9.196 MWh), S.Vicente (41.279 MWh) e Sal (29.380 MWh). Foi o total da energia consumida na Praia (77.664 MWh).

Ah! A Sra. Ministra da Tutela disse, em pleno Parlamento, que é um “problema circunscrito só a Praia”.

Grave! Senão, vejamos os números da Electra:

As perdas na Praia foram de 35,5%. Todavia, temos casos mais preocupantes, como o de Assomada (37,7%) e o do Tarrafal (38,1%).

A Sra Ministra devia estar mais atenta!

Os apagões continuaram. Ocorreram, a nível nacional, 569 black-outs, com uma duração 78853 minutos (o que dá 1314 horas durante o ano e 25 horas por semana).

Quer isto dizer que em 2009 CABO VERDE ESTEVE AS ESCURAS DURANTE MAIS DE UM DIA POR SEMANA.

A Sra Ministra falou num “problema circunscrito só a Praia”? Voltemos aos números da Electra:

Ocorreram, na Praia, 1.467 minutos (24 horas) de apagões. Contudo, na Assomada foram de 21.640 minutos (361 horas), em Santo Antão/Porto Novo de 3.127 minutos (52 horas) e Sta Cruz (o caso mais grave) de 37.523 minutos (625 horas, ou seja 26 dias de escuridão. Repito: 26 dias!).

E ainda a Sra Ministra vem falar num “problema circunscrito só a Praia”?

Basta ler o relatório da Electra de 2009, Sra Ministra! Faça isso porque é muito grave não conhecer os números da área que tutela.

Adiante!

As variações constantes e abruptas (a nível de tensão, com estragos nos equipamentos e custos para os consumidores) foram uma constante.

A crise da produção e do abastecimento da água parece não ter fim. É a outra grande dor-de-cabeça dos cabo-verdianos. Quando o precioso líquido chega às torneiras das pessoas, muitas vezes encontra-se em péssimo estado e impróprio para consumo.

As perdas de água passaram de 22,8% no ano de 2001 para cerca de 35,3% em 2009 (um aumento de 55%).

Só relativo ao último ano, estamos a falar de água (1.603.761 m3) que chegava e sobrava para abastecer a Cidade da Praia (1.384.426 m3).

A demanda já ultrapassa em muito a capacidade instalada nalgumas ilhas. O exemplo de S. Vicente é gritante, onde a demanda (5000 m3) é, de longe, superior à capacidade instalada (3200 m3).

As Taxas de Cobertura das Redes de Água continuam muito baixas. Só 27% da ilha da Boavista (uma das nossas “jóias turísticas”) estará coberto até finais de 2010, segundo a Electra.

Nas redes de Saneamento, o cenário é, ainda, pior. Só 21% dos Praienses terão acessos ao Saneamento até finais de 2010.

A reestruturação da Electra e a constituição da empresa logística de combustíveis continuam por cumprir. Até quando?

O falhanço na regulação e na política de preço, a não existência de uma concorrência e entrada de produtores independentes no mercado são outros exemplos do falhanço desta maioria do PAICV.

Este governo fez, também, coisas boas neste domínio. Pena é que foram poucas. E algumas tardam em sair do papel.

Por exemplo, as Energias Renováveis, a grande bandeira desta maioria, juntamente com a electrificação rural, foram as áreas onde este governo deu alguns sinais positivos. É salutar!

Por isso, não posso deixar de me congratular com o “trazer” para Cabo Verde o “Centro Regional para as Energias renováveis e Eficiência Energética da CEDEAO – CEREEC” e a entrada de Cabo Verde na “Agência Internacional para as Energias Renováveis – IRENA, que poderão ser o grande impulso para a promoção da investigação e desenvolvimento de novos produtos, onde as nossas universidades não poderão ficar de fora.

Da mesma forma, quero congratular-me com o anúncio dos quatros parques eólicos e das duas centrais solar-fotovoltaica, não obstante serem discutíveis algumas destas opções (em termos de prioridades e, sobretudo, de estarem carregadas de algumas dúvidas técnicas, económicas e de financiamento).

Percebe-se o facto do governo querer, à pressa, mostrar obras, típico de final de legislatura e pré-campanha. Não querem ficar na história pelo facto de, durante uma década, não terem ligado a rede eléctrica nacional sequer 1 kW de electricidade produzida à base de fontes renováveis. Ainda restam 6 meses!

As próximas eleições legislativas de 2011 estão já às portas. O sector da Energia e Água, fundamental para o desenvolvimento económico, social e combate à pobreza, devem constituir um dos principais motivos de preocupação e desafios do partido, o MpD, que se vai apresentar como alternativa.

É preciso actuar e já! Onde? Como?

As Energias Renováveis, a nossa grande esperança, têm definitivamente, que ser uma realidade!

As prioridades, a curto-médio prazo, deverão ser na aposta na Eólica em grande escala e sistemas “grid-connected” (parques eólicos MW ligados à rede eléctrica) e na aposta na solar-fotovoltaica para pequenas e médias escalas (sistemas kW “stand-alone off-grid”, iluminação publica, zonas remotas, etc). A utilização dos sistemas híbridos (diesel-eólica-solar) na dessalinização de água poderá ser uma boa solução para a diminuição do custo de produção de água e, a massificação da solar-térmica para aquecimentos de águas sanitárias em edifícios públicos, residências e hotéis.

A “Reestruturação da Electra” não pode ser mais adiada. Tem que sair do papel. A Cisão da Electra em 4 áreas de negócios - a) produção, b) transporte, c) distribuição/comercialização de electricidade e d) Produção e distribuição de Água/Tratamento das águas residuais - poderá ser um figurino alternativo.

Dessa eventual cisão, poder-se-á criar uma empresa de capital público/privado só para a gestão das INFRASTUTURAS E REDE DE TRANSPORTE de energia eléctrica que poderá ser a solução para o investimento na rede, com resultados directos na diminuição das perdas eléctricas.

A Privatização (ou parcerias) faseada das outras duas áreas de negócio (a Produção e a Distribuição/Comercialização), onde existe melhor ambiente de negócio, poderá abrir o mercado aos produtores independentes e privados.

Em termos de eficiência energética, o enfoque deve ser feito na Eficiência Energética em Edifícios e Construção Civil, tanto do lado da construção, como a jusante, do lado da utilização e consumo (temos que mudar os maus hábitos!).

O subsector dos combustíveis terá que sofrer um grande abanão. Reorganizar a logística dos combustíveis, equacionar a entrada de uma terceira petrolífera (no quadro legal do regime das concessões, depois da saída da Shell da distribuição) e criar uma empresa logística de combustíveis e um grande centro de distribuição em Santiago, serão dossiers fundamentais a analisar.

A revisão do critério para a fixação de preços (dos combustíveis, da electricidade e da água) é uma questão fundamental, assim como um novo figurino para a entidade reguladora (ARE).

No entanto, convêm salientar que estas ideias aqui expressas, não podem ser vistas de uma forma isolada, mas sim, em articulação e sintonia com outros sectores, nomeadamente, com a indústria, os transportes, a construção civil ou o turismo, os grandes consumidores. Chega de medidas avulsas!

Entretanto, a GRANDE MEDIDA deverá ser a definição da POLÍTICA ENERGÉTICA, documento que orientará a implementação de um grande pacote de REFORMA ESTRUTURAL do sector.

Todos os cabo-verdianos sabem que a sua “Nação Energética” não anda bem de saúde. Já não querem ouvir mais discursos bonitos. Já não querem mais poesias. Já não querem mais promessas. Estão fartos! Só querem duas coisas: Energia e Água. É pedir muito?

Até breve!

Luís Teixeira, Doutorando em Energias Renováveis, China.

luisteixa@yahoo.com, http://politicasrenovaveis.blogspot.com


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