“Para sair da crise financeira actual, os governos precisam investir na economia verde” - Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU
O emergente mercado das energias renováveis - inserida na “nova economia verde” - tem ganho cada vez mais protagonismo e adeptos a nivel mundial e, hoje, já faz parte do dicionário (leia-se “politica energética”) de quase todos os paises, principalmente os que privilegiam um modelo de desenvolvimento sustentável virado para questões de índole ambiental e ecológico.
Até já há quem diga que, depois do “boom” informático e da era das novas TIC, hoje em dia, não se fala em mais nada, senão em energias renováveis: é a “tecnologia da moda”!
Se por um lado, os colossos - os Estados Unidos, a Europa e a China -, os maiores consumidores dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) e, por conseguinte, maiores poluidores, vêem essa tecnologia como uma forma de “descarbonizar” as suas economias (uma excelente bandeira para combater as alterações climáticas e reduzir a emissão dos gases com efeito de estufa), por outro lado, os paises com economia mais modesta - caso de Cabo Verde - poderão usá-la como estratégia para diminuir a total dependência energética (com resultados directos na balança comercial e na inflação), assim como uma boa arma para combater o desemprego, a pobreza e a exclusão social que atinge cada vez mais a população do meio rural que ainda não possui electricidade.
Se antes, esta tecnologia “limpa” era vista com uma certa desconfiança, hoje, todos - governos, empresas, universidades,...- depositam nela grande esperança. Deixou de ser vista como um custo para passar a ser encarada como um investimento (com benefícios claros para a economia e o ambiente), o que justifica o seu crescimento, de ano para ano, a nível de investimentos (por parte das grandes empresas do sector), na investigação, inovação&desenvolvimento de novos produtos (nas universidades e centros de pesquisas), etc.
Em 2008 foram investidos cerca de US$150 bilhões em empresas e projectos em todo o mundo, onde a eólica atraiu a maior fatia dos investimentos (US$52 bilhões).
A Organização Internacional do Trabalho publicou, em Setembro de 2008, um relatório que diz que “a energia renovável gera mais trabalhos que os combustíveis fósseis” e que “estão previstos investimentos de US$630 bilhões até 2030, que se traduzirão na criação de, pelo menos, 20 milhões de novos postos de trabalho (cerca de 2,1 milhões na energia eólica)”.
A EÓLICA É A JÓIA DA COROA!
A World Wind Energy Association - WWEA - refere que, só no ano de 2008, a capacidade mundial de produzir energia eólica aumentou 29% (com destaque para os Estados Unidos e a China), atingindo uma potência instalada de 121 GW (mil megawatts), tendo gerado 260 mil GWh de energia (equivalente a mais de 1,5% do consumo global de electricidade), e que dentro de cinco anos (2013) a potência eólica mundial atingirá 332 GW. Acrescenta ainda que, só a energia eólica, emprega 440 mil pessoas a nível mundial (quase a população de Cabo Verde!)
Quanto ao solar, apesar de ser, hoje, uma tecnologia mais cara que a eólica (1 MW de potência eólica instalada custa US$2 milhões, enquanto que cada MWp fotovoltaica custa US$5,5 milhões), o cenário é bom e promissor.
Tem-se registado, ultimamente, grandes ganhos a nível tecnológico, por exemplo, nos inversores - dispositivo electrónico que converte a energia eléctrica de corrente contínua (DC) para corrente alternada (AC), antes da injecção na rede eléctrica -, no material (prevê-se uma descida no preço do silicio que é usado nos painéis fotovoltaicos), com reflexos numa melhor eficiência, e por conseguinte, numa diminuição do custo de produção.
No solar térmico (aquecimento de água), em 2008, a capacidade instalada aumentou para 145 GW térmicos (em 15%), enquanto no fotovoltaico - produção de electricidade através do sol -, o parque mundial atingiu 15 GWp, e tudo indica que aumentará em cerca de 40% em 2009
A Greenpeace e a Agência Internacional de Energia afirmaram, num recente estudo, que as centrais fotovoltaicas terão capacidade instalada de 1.500 GWp até 2050 e que “são o próximo avanço em energia renovável”.
Apesar dessa onda (vento e sol, também!) “verde” que tem varrido o mundo, em Cabo Verde, parece que tarda em chegar.
No entanto, nós todos - políticos, académicos, empresários, técnicos, … - continuamos a assistir de uma forma serena e impávida, o impasse em que se encontra mergulhado o sector energético, mais concretamente o subsector da energia eléctrica, que tem a ver com a aposta (ou não) em definitivo nas novas tecnologias de energias renováveis na produção de electricidade, aumentando, assim, a sua taxa de penetração no parque eléctrico nacional.
Aliás, o que se nota é alguma inércia da parte dos principais actores que tem lidado com esta matéria: tutela, DGIE e Electra.
Mas é melhor irmos a factos!
Os primeiros passos no domínio das ER - com enfoque na eólica - foram dados na década de 80 (quase todos foram condenados ao fracasso!).
O primeiro salto deu-se em 1994. No âmbito do programa “Step 1”, financiado pela cooperação Dinamarquesa, foram construidos três parques eólicos - Praia, Mindelo e Sal, com potência de 3x300 kW, 3x300 kW e 2x300 kW respectivamente, totalizando 2,4 MW de potência instalada.
Hoje, e de acordo com o ranking eólico da WWEA (www.wwindea.org), Cabo Verde ocupa o 62.º lugar a nivel mundial, com uma potência instalada de 2,8 MW (2 a 3% de taxa de penetração), e, desde 2002, a potência instalada acumulada - quantidade a somar ao valor já existente - é de zero.
Presentemente, a electricidade, em Cabo Verde, é produzida recorrendo a três tipos de tecnologias: diesel, eólica e térmica.
O parque da Electra totalizava, em finais de 2008, 88 MW de potência instalada, repartida pelas centrais diesel 85.386 kW (97%), eólica 2.100 kW (2%) e térmica 772 kW (1%). Estes dados vêm no relatório de contas da empresa relativo ao ano 2008 que, acrescenta ainda que, nos últimos 5 anos, registou-se uma taxa média de crescimento na produção de energia eléctrica na ordem de 6,9% ao ano, com destaque para um aumento de 7,4% da contribuição diesel, e a eólica no sentido oposto, tendo diminuído em 19,8%.
Um país como o nosso, com parcos recursos e cada vez mais “petrodependente”, pode continuar a se dar ao luxo de abdicar das suas fontes de energias endógenas?
Hoje, e de acordo com vários projectos e estudos já realizados, não restam dúvidas de que Cabo Verde goza de boas condições naturais para o aproveitamento das ER. Tem um regime de vento com uma velocidade média de 8,04 m/s (atinge 10,4 m/s em Mindelo).
Trata-se de um “vento de qualidade” - em todo o ano e com predominância na direcção nordeste, o que melhora ainda mais a eficiência dos aerogeradores. Só para o leitor ter uma ideia, a Dinamarca, pioneira na tecnologia eólica e, actualmente, o país com a maior taxa de penetração eólica (cerca de 20%), tem uma velocidade média na ordem de 7,95 m/s (fonte: Risø National Laboratory). Dir-me-ão que “cada caso é um caso”, “são duas realidades diferentes”, etc. Sim, mas também não é menos verdade que ter um “bom vento” é uma das condições necessária (mas não suficiente, é claro!) para o sucesso de qualquer projecto eólico.
Quanto ao potencial solar, há dados que indicam que temos mais de 2950 horas do sol por ano, suficiente para explorarmos esse tipo de energia, segundo opinião de vários especialistas da área. Entretanto, penso que, numa primeira fase, a nossa aposta deve ser na massificação de instalação de painéis solares térmicos em habitações particulares e algumas aplicações fotovoltaicas isoladas da rede (electrificação rural, aplicações agrícolas, etc.), onde o factor custo não é o mais importante, e, só depois, em aplicações de larga escala e ligadas à rede eléctrica.
No que toca à energia das ondas, neste momento, existem poucos dados relativos ao seu potencial em CV. De acordo com o mapa de recursos mundiais em energia das ondas, CV tem um potencial global médio de cerca de 20 KW por metro de frente de onda. Por isso, temos que começar a pensar seriamente em encomendar estudos mais detalhados. Já agora, lanço um desafio às nossas universidades (UniPiaget, UniCV) no sentido de envolverem o seu pessoal docente/investigador (onde me incluo) nessa área de pesquisa.
A juntar tudo isto, a demanda por energia eléctrica tem aumentado consideravelmente, tanto em relação à demanda populacional directa, como para a produção de água (dessalinização).
A empresa brasileira Simonsen Associados estima que, em 2025, a capacidade energética instalada passará para cerca de 300 MW.
Perante este cenário, e se nada for feito, a segurança energética estará em causa e o nosso país ficará cada vez dependente do exterior a nível dos combustíveis - que continuam a ter o maior peso (11% em 2008) nas importações.
Só nos resta um único caminho: explorar os nossos recursos energéticos, começando pela eólica e pela solar térmica, tendo sempre no horizonte a fotovoltaica e as ondas (com o estado da arte têm pouca competitividade).
As energias renováveis em CV precisam de DAR O GRANDE SALTO! Têm que deixar de ser uma PROMESSA para passar a ser uma realidade!
Quero deixar aqui bem claro que, apesar de ser um “apaixonado” e defensor das ER, com este meu escrito, não quis (quero) reduzir toda a política energética de um país às ER. Primeiro, porque não substituirão por completo as tecnologias clássicas e, depois, só terão sucesso se houver uma boa integração às tecnologias e fontes tradicionais já existentes.
Nesse sentido, algumas matérias precisam de ser, antes, resolvidas, nomeadamente:
• Temos uma rede eléctrica - o grande “calcanhar de Aquiles” de todo o sistema eléctrico - que carece, urgente, de um “upgrade”, visto que há algumas restrições para a injecção de potência eólica na rede eléctrica (sistemas “grid-connected”).
• A aposta na investigação e formação de recursos humanos (a UniPiaget e a UniCV já têm cursos de pós-graduação, mas é possível fazer ainda mais na formação profissional).
• Resolver e clarificar a situação da Electra que é “parte da solução e não do problema”.
• E, finalmente, a conclusão do atlas eólico de Cabo Verde e a criação de leis e normas para esse sector.
Duas medidas “cosméticas” feitas até agora merecem o meu aplauso: trazer para Cabo Verde o Instituto para as Energias Renováveis e a participação na instalação da Agência Internacional para as Energias Renováveis, IRENA.
Não obstante, existem outras - que me parecem de fácil execução - que já deviam estar implementadas:
• Maior incentivo da parte do governo (benefícios fiscais) e uma maior participação da banca (celeridade e flexibilidade nos pedidos de créditos) de forma a estimular mais investidores e investimentos.
• Promoção e massificação do uso de painéis solares em residências, hotéis, edifícios públicos, hospitais, etc.
• Aproveitar melhor as parcerias com instituições e países estrangeiros, onde o pragmatismo e o know-how devem estar sempre presentes. Sem pôr em causa os outros países, quero destacar a China (actualmente é o quarto produtor de energia eólica no mundo) que tem deixado marcas em termos de grandes obras, e, neste momento, disputa com os EUA, “ombro-a-ombro”, a liderança do mercado das ER. Apesar de ser suspeito, acho que melhor parceira, não há!
Se houver uma política energética centrada nas ER, sem descorar a eficiência energética (mudando o hábito dos consumidores de que é preciso começar a “usar a energia menos e melhor”) e um forte combate às perdas na rede (de 25,2% em 2007 passaram para 26,8% no ano 2008), acredito que ainda vamos a tempo de “apanhar o comboio”, e, com certeza, teremos um Cabo Verde “com menor dependência de combustíveis fósseis", caso contrário, dificilmente atingiremos a tão ambiciosa meta traçada pelo governo: 50 por cento de taxa de penetração de energias renováveis até 2020.
O momento do grande salto chegou. Eu acredito!
Até breve!
Luís Teixeira - luisteixa@yahoo.com
Eng. Mecânico e Doutorando em ER
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