terça-feira, 23 de junho de 2009

Ressonâncias34


As maiorias qualificadas e seu conteúdo de sentido, haverá mesmo ciclos políticos em Cabo Verde?, o mandato parlamentar de 4 ou 5 anos, ainda o chato com o semipresidencialismo fraco e mais eleições na Guiné-Bissau, meu caro Fafali. Enfim, os alunos do ISCJS e um livro sobre DPP na quinta

1. Há muito boa gente que se indigna e, sobretudo, se rebela com a circunstância de o Parlamento ter dificuldades em conseguir maiorias fortes – exigidas constitucionalmente – para fazer eleger titulares de determinados cargos. Falamos, por exemplo, de juízes de tribunais superiores ou de outras autoridades independentes. Aliás, diga-se que o facto não se verifica apenas entre nós, havendo também amiúde manifestações de desagrado, vindas inclusivamente de altos responsáveis políticos, mas, sobremaneira, dos meios da chamada sociedade civil (nem sempre com rigor, acentue-se) e dos órgãos de comunicação social.
A impaciência e a incompreensão, mais ou menos ruidosas e, diga-se, legítimas, de alguns levam à procura de soluções alternativas para o impasse parlamentar, do mesmo passo que vêm à tona habituais e compreensíveis (pelo inabitual, historicamente inabitual, convívio com a instância parlamentar e seu quase natural desconcerto funcional) exprobração e censura aos deputados, se não mesmo à sua própria existência.
Em Cabo Verde, por exemplo, o nosso amigo e conhecido estudioso e cultor das coisas do direito público, mormente do constitucional, Wladimir Brito, vem sufragando a ideia de, em tais situações de persistente manutenção de impasse, transferir a competência para o Presidente da República. Os deputados não se entendem para encontrar uma solução que exige uma maioria qualificada de dois terços?! Passe-se, então, a bola ao Chefe de Estado, órgão singular, que rápida e singelamente encontrará uma saída!
Não podíamos estar mais em desacordo com esta ideia, apesar de suas aparentes adequação, simplicidade e eficácia. Desde logo, porque, no nosso caso, em que temos vivido invariavelmente (ou quase) em sistema de governo fundado em maiorias estáveis, absolutas, sintonizadas, no essencial, com a maioria presidencial (passe a expressão não inteiramente rigorosa, como se sabe), a solução pretendida revelar-se-ia, no mínimo, potencialmente perversa: uma maioria absoluta de um partido que quisesse impor um nome, para o qual se exige constitucionalmente um voto mais qualificado… evitaria sistematicamente o entendimento com a oposição para, depois, levar a solução para o campo e a competência de «seu» Presidente (ou até uma minoria, que tivesse um Presidente de sua cor política, o que seria ainda mais inaceitável).
Depois, porque uma tal ideia consubstanciaria, à evidência, uma (não querida, em princípio) alteração relevante do sistema de governo vigente. No fundo, a proposta não seria diferente – com, também, os mesmos inconvenientes – daquela que seria constituída pela substituição da exigência de uma maioria qualificada por uma menos forte (absoluta ou, até, simples) em caso de manutenção de impasse na votação.
Enfim, e não se avançando por soluções mais radicais, mas em todo o caso, claramente menos subversoras do conteúdo de sentido da regra actual, como a de eleição popular directa – naturalmente, enxuta, rápida e pouco sofisticada nos seus procedimentos – de tais titulares, cabe-nos ficar, talvez num conservadorismo de modelos, pela defesa de uma atitude de perseverança e de paciente educação por uma cultura de democracia e de respeito pela Constituição. Pela defesa do que muitos entenderão ser uma repetida chatice e entediante e ineficaz (ou perdulária) afirmação de princípio: a pedagogia da democracia, a procura contínua do aperfeiçoamento institucional e da extensão da vontade de constituição.
2. Há momentos em que somos obrigados ou levados a reponderar soluções que, antes, nos surgiam como quase indiscutíveis. Com o propósito de aprofundar e fazer estender a margem de efectivo cumprimento dos desígnios constitucionais, designadamente no que respeita ao modelo de sistema de governo que, com obstinação, muita convicção e alguma ( pelo menos tentada) fundamentação, vimos defendendo como o melhor a se adaptar ao circunstancialismo e à medida de nossa vivência democrática e da nossa tessitura histórico-social e cultural (o dito semipresidencialismo fraco), temos sugerido não apenas uma separação, no tempo, entre legislativas e presidências, como igualmente a possibilidade de redução do mandato parlamentar (e dos governos) para quatro anos, em vez dos cinco actuais. Demais a mais, dizem hoje muitos observadores, analistas e políticos, cinco anos é demasiado tempo, sobretudo tendo em conta que parece ser de dois mandatos o ciclo político normal cabo-verdiano. Ora bem, dez anos seriam tempo excessivo… para quem aguarda, na oposição, a sua vez, e também para o governo que, a partir de certo momento, deixa de ser capaz de iniciativas criadoras, de suficiente energia mobilizadora e de sentido crítico perante dificuldades e erros visíveis (para quem está de fora) e de toda a ordem (opções de políticas, postura de seus membros perante a sociedade, inércia face a interesses instalados).
Se olharmos, porém, para a nossa experiência (o MpD começa a denotar sintomas de queda e de fragilidade a partir de 1998/09; o PAICV, a partir de 2008/09), talvez cheguemos à conclusão de que, afinal, dez anos sejam o necessário e suficiente para se chegar, melhor, para se comprovar (ou não)… o contraciclo político (a partir do qual se pode dizer que tendencialmente a oposição chega ao poder porque o governo o perde, a não ser que ela cometa asneiras a mais ou se mostre de todo em todo incapaz, muito pouco credível ou afectada por divisões profundas). Poderia muito bem acontecer, assim, que, em vez de alternâncias de dez em dez anos, só as tivéssemos de doze em doze anos (três mandatos de quatro anos).
Trata-se, claro, de uma mera percepção, no mínimo muito discutível.
3. A Guiné-Bissau vai de novo a votos, depois das derradeiras matanças. De cada vez que se abre um período eleitoral, renovam-se esperanças num porvir mais risonho para os guineenses, ao mesmo que a comunidade internacional adverte no sentido de que se trata de uma última oportunidade. A verdade é que o problema da Guiné-Bissau não é o de falta de eleições. Ele reside, essencialmente – simplificamos por comodidade, sabendo nós que há o narcotráfico, a inexistência de um Estado com o mínimo de solidez, as sucessivas levas de combatentes (contra o colonialismo, contra Luís Cabral e os seus privilegiados crioulos, contra Nino e os senegaleses, contra e favor de Ansumane Mané e assim por diante) – na inexistência, até agora, de uma assumida legitimidade das urnas que se sobreponha, definitivamente, e na sociedade, à legitimidade das armas, das lutas, dos combatentes, da história e da revolução. Como é cada vez mais actual e pedagógica a «leitura» de Fafali Koudawo no seu Guiné-Bissau e Cabo Verde – da democracia revolucionária à democracia liberal!
4. Uma obra sobre direito cabo-verdiano (o processual penal), editada pela Almedina e mais um fruto da cooperação entre o Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais e a Faculdade de Direito de Lisboa, vai ser apresentada na próxima quinta-feira, pelas 18 horas, no salão de banquetes da Assembleia Nacional. O volume contém seis estudos sobre o novo processo penal cabo-verdiano e é destinado a estudantes de direito (em particular aos do ISCJS), mas igualmente a magistrados, advogados, juristas em geral e a interessados nas coisas do direito e da justiça. Na ocasião, também uma conferência sobre um tema da actualidade: as escutas telefónicas como meio de obtenção de prova – suas virtualidades e seus limites constitucionais e legais. Haverá evento idêntico em Mindelo, na sexta-feira, no IESIG. As sessões são públicas.
Compareça, pois!


jcafa@yahoo.com/jcfonseca@cvtelecom.cv

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