Tu, obreiro bravense, Zé Barros, meu amigo, foste tu, o pastor e peregrino, das pensadas rupturas na busca de melhores opções para o desenvolvimento de Cabo Verde e da tua ilha - morabi - e fértil igual: a mãe. Agora, não conseguiste aquilo que tanto o desejara de ver como brava (!) a tua ilha nas festas sanjoaninas por que a pupila dos olhos suspendera da frágil imagem da vida, herdeira d’esperanças: DI PASSADINHA DI PENA AZUL (Halcyon)… Acreditei-me, sempre, na força da natureza, e ainda, mais quando é a natureza da natureza a moldar a natureza humana (somos todos filhos da natureza!) A ilha Brava é um exemplo, plasmado, dessa máxima. Ela moldou a alma da sua gente. Descansa em paz. Amém
1. Sei que a ilha Brava é onde a primavera abdica de ser metáfora para se desabrochar, no final do ano, nas festas das rabecadas. Ali, há mãos e almas sãs para o azul do sonho com o mar familiar, das marés que vão e vêm, mil vezes, com sentimento – raiz que entram pela pupila dentro como luzes de esperanças, onde as sombras das roseiras, dos girassóis, das sempre – noivas e das sempre – verdes com as suas flores que crescem e crescem em esplendor, certo de ser amado. Elas parecem estar nas ruas, nos quintais, nos pátios, nos campos como se fossem brincos emoldurados para serem prendados, com desvelo, de tanto, de tanto flor: morabi. As cabras também pastam para oferecerem às famílias pobres: litros e mais litros de leite, e, os seus cornos são o seu diadema. E, as cabras do Cachaço movem-se, lentamente, com o peso das tetas irmãs do sol ou do nevoeiro ou do vento ou das flores ou da música, e…. dos peixes do ilhéu Raso, em maré de rosas bonanças, em noites aluaradas e de estrelas cintilantes.
VAGIDO
2. Também, sei que o vagido: é o sinal verde, bouton, da vida. Depois é o rimar com a luta quotidiana na construção e na desconstrução do nosso ego e alter ego edificados na seiva e na labuta, constante, pela realização das nossas expectativas no mundo das turbulências, e, inter – relações humanas controladas e amordaçadas pelo relógio do tempo. Algo, para rogar: “eheu! Fugaces labuntur inni!” Na ilha Brava, ninguém, sente a fadiga, e, é para esquecê-la. Devagar, devagar também os navios se entram e ancoram no abrigado porto de Furna. E, clamo para quê viver e não viver o monólogo (!) Na minha infância, muitas vezes, sozinho, olhava e contentava-me ver a ilha das flores. Ah, toda a ilha parecia-me uma enorme rocha da saudade, a flutuar no altar do horizonte, azul-marinho, coroado do sol da vida. Recordo-me duma antiga lenda de que a ilha perdera, há séculos, uma irmã (gémeo) de nome: Belthés, que se emergiu na profundeza do mar largo devido à sua estrutura tipo cogumelo. Demoradamente, punha-me a ver a largada d’alguns navios: da Ernestina ou da Maria Sony ou de Novas d’Alegria ou de Santo Antão, d’outrora ligação inter ilhas, até, do celebérrimo Pérola d’oceano, do capitão Aníbal. Reparava que de repente que se encurtara um espaço entre a Brava e mim. E, rebentava-me, não sei porquê, uma enorme angústia misturada com sentimentos de tristeza. Sentia-me como um navio sem bússola. Esses navios que entravam de manhãs na praia de Fonte Bila, em Sanfilipe, largavam as âncoras, lá longe, e depois, era o buzinar da chegada. Traziam aos meus olhos de menino sinais do mistério d’alegria e de tristeza de quem chega e parte para a terra longe, do tio Sam. Os passageiros desembarcavam, sempre, com rabecadas e o dedilhar, mansinho, do violão, da ilha morabi, para encantarem a alma dos deuses e das musas. Ah, quem parte, quem parte! E, o tempo da partida passava como se fosse a sombra daquelas nuvens da Nossa Senhora di Monti que tinha deixado para traz que passasse sobre a enchente da maré crescente do canal da ilha.
PASSADINHA DI PENA AZUL
3. Outrossim, amigo, sei que resististe enquanto a própria vida lutara para negar o clamoroso chamamento! Lembrai que o vagido fora o ponto da partida para uma longa caminhada de angústias, de barreiras, de incompreensão, de vitórias e da liberdade – flor, para que todos tenham a vez e a voz. Tu, obreiro bravense, Zé Barros, meu amigo, foste tu, o pastor e peregrino, das pensadas rupturas na busca de melhores opções para o desenvolvimento de Cabo Verde e da tua ilha - morabi - e fértil igual: a mãe. Agora, não conseguiste aquilo que tanto o desejara de ver como brava (!) a tua ilha nas festas sanjoaninas por que a pupila dos olhos suspendera da frágil imagem da vida, herdeira d’esperanças: DI PASSADINHA DI PENA AZUL (Halcyon). Ela ficou longe da luz onde nasceste nos idos década de 1954. Precisamente, no mês das festas das rabecadas. Seja como for, seja como for, partir! O teu coração, bravo de nevoeiro não resistiu porque a vida sempre pára de aqui a pouco, por causa da nossa divida da vida. O mar d’alcatraz e do canal do Fogo receberam de mansinho o menino manso, e, foram bravos de gestos. Acreditei-me, sempre, na força da natureza, e ainda, mais quando é a natureza da natureza a moldar a natureza humana (somos todos filhos da natureza!) A ilha Brava é um exemplo, plasmado, dessa máxima. Ela moldou a alma da sua gente. Descansa em paz. Amém.
PS: Com forte simbolismo Nhô Eugénio, defensor lúcido e combativo dos interesses da sua terra e da sua gente, escrevera, assim: \ Se bem é doce \ Bai é maguado \ Ca ta birado! \ Se no morrê \ Na despedida \ Nhor Des na volta \ Ta dano bida. MORNA DE DESPEDIDA (Mornas – canções crioulas, 1932)
João Cardoso - Jornalista
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