terça-feira, 7 de julho de 2009

Ressonancias35

A morte de José Maria Barros, um bravo. A revisão constitucional e a «fé na Constituição» – impasses, o constitutional essential (RAWLS), o debate sereno e o risco do embuste, um volume especial da DeC. As novas cores da Praia: simples cosmética ou sinais de mudança?


1. Numa das últimas crónicas falávamos da Brava, da ilha discriminada e quase vitimada pela anomia de quase todos os poderes. Hoje falamos de novo da ilha. Morreu José Maria Barros. O deputado, o autarca, o político, o cidadão da Brava, já que, inegavelmente, ele – nos últimos vinte anos – da ilha tem sido uma referência cívica e política. Um dos bravos. Conhecemo-lo como companheiro (a campanha nas legislativas de 91 e por Jorge Nogueira em 92 ou as presidenciais de 2006) e adversário (96). Se pudéssemos recortar as suas marcas permanentes, diríamos do discreto e humilde homem da mansa ilha da solidão que elas seriam: a bravura, a determinação, a dedicação e, sobremaneira, a lealdade. Jou era leal e intrépido. Ainda conversámos sobre as lutas e as causas, Santa Bárbara, João da Nola e Cova de Joana (esta preciosidade da natureza que, estranhamente, quase pecaminosamente, nove décimos dos cabo-verdianos desconhecem), do irmão Dave que acabara de vir da América, em férias, e já ele no hospital Agostinho Neto na Praia, optimista quanto à recuperação, quatro dias antes da morte que, naqueles curtos momentos de descontraído diálogo, parecia, pois, já distante. Mas, afinal, não o era. Vale a pena falar, verberar a injustiça de uma tal morte? Haverá mesmo mortes (in)justas?!


2. Os dois maiores partidos políticos envolvidos no processo de revisão constitucional vieram a público explicar as suas razões para o actual impasse verificado nas negociações. Independentemente da solidez e fundamentos das posições de uns e outros, a ele certamente não serão totalmente alheias as movimentações visíveis, num partido e noutro, de disputas e posicionamentos face a eventos políticos e/ou eleitorais futuros, internos ou externos.
Parece consensual a noção de que a Constituição da República, que não é nem pode ser um documento sagrado ou um condensado de políticas (G. CANOTILHO), necessitará de aperfeiçoamentos e alguma actualização, em segmentos como os dos direitos fundamentais, mormente no que toca à constituição penal (no seu sentido mais amplo), ou do sistema do poder judicial ou, até, o atinente às comunidades emigradas.
É legítimo e até saudável que o impasse gere preocupações, suscite dúvidas ou potencie interrogações. O que surge já como excessivo é, sobretudo quando se trata de vozes autorizadas – política ou tecnicamente - , ver no que, de alguma forma e nalguma medida, representa legítimo jogo parlamentar, qualquer coisa de trágico ou de vida ou morte (do constitucionalismo, da democracia, senão mesmo da existência do Estado de direito).
Outrossim, não se pode pretender sufragar a ideia, muito menos transmiti-la à sociedade e aos cidadãos, de que problemas reais e delicados para os quais se exige solução adequada e eficaz – como os da criminalidades especialmente violenta ou altamente organizada ou os da segurança interna – estão à espera de modificações constitucionais de emergência, de tal sorte que, chegando-se a entendimentos parlamentares, temos os problemas resolvidos e os fenómenos preocupantes eliminados ou estancados em definitivo. Esta forma de entender, argumentar e comunicar, por ser redutora, simplificadora e enganosa – profundamente enganosa – pode ter efeitos perversos e consubstancia, amiúde, um embuste político e técnico.
É certo que é decisiva a força normativa e, ainda que cada vez mais discutida, dirigente da constituição, mas a fé na constituição (designadamente na constituição penal) não nos pode deixar de nela também ver condicionamentos e limites. Não é sério, enfim para sermos singelos e crus, fazer acreditar que tais problemas se resolvem (e apenas se resolvem ou se resolvem como se fosse por um golpe de mágica político-legislativa) com a admissibilidade de buscas domiciliárias nocturnas para além das situações de direito de necessidade e da extradição de cabo-verdianos. Mister se torna vencer a lógica do menor esforço (político, reflexivo ou técnico-científico).
Insistimos sempre nesta fórmula simples: pergunte-se sempre se a finalidade que pretendemos atingir alterando o quadro constitucional (sobremaneira quando está em causa o constitutional essential (RAWLS) não poderá ser alcançada, de forma essencialmente idêntica e razoável, mantendo as garantias constitucionais vigentes. Altere-se, então, se e quando a resposta for negativa.

3. Mas deixemos estas questões para outros momentos e outros espaços. Como o de um volume especial da revista «Direito e Cidadania», inteiramente dedicado à revisão constitucional em curso, que irá ser apresentado à sociedade cabo-verdiana no próximo dia 16, na Assembleia Nacional. Uma contribuição para o debate das principais questões em jogo na revisão, dirigida aos agentes políticos, aos juristas, aos profissionais dos media, aos estudiosos e académicos, mas a todos os cidadãos interessados na constituição, enfim, na afirmação da cidadania pessoal, política, cultural e económica. Trata-se de um volume que contém os três projectos de revisão (do PAICV, do MpD e do deputado Humberto Cardoso) e nove estudos e escritos de autores cabo-verdianos com perspectivas jurídica, profissional e cultural diferenciadas (Wladimir Brito, Eurico Monteiro, Aristides Lima, Belarmino Lucas, João Pinto Semedo, Júlio Martins Tavares, José de Pina Delgado, José Manuel Andrade e Jorge Carlos Fonseca). Possam, assim, os interessados ter acesso a elementos de informação e reflexão elaborados, pelo menos no essencial, fora do ambiente, do caldo, das paixões e dos interesses imediatos (legítimos, diga-se).

4. A cidade da Praia está visivelmente a tomar outras cores. Está mais vistosa e acolhedora. Há sinais de mudança, a começar pelo embelezamento de alguns de seus locais mais frequentados. Parece haver mais luz, mais espaços para os cidadãos, mais verde, alguma disciplina e um ou outro assomo de exercício de autoridade democrática. Pode até ser ilusório, mas parecemos sentir-nos um pouco mais seguros. O que está ou parece já diferente ainda… são as pequenas coisas, quiçá aspectos de cosmética. Em todo o caso, sinais de melhoria. Porém ainda é cedo apara a avaliação séria de um mandato que está no início. O edil, Ulisses Silva, sabe que ainda… não mostrou… quase nada, mas surge determinado e convicto no seu trabalho e aparentemente sereno e alheio a tentações outras, que, em mandatos anteriores, talvez tenham condicionado (negativamente) o desempenho da autarquia da capital. É legítimo que possa ter no futuro ambições outras, mas não deve ser apressado e ponderar conselhos bem intencionados, às vezes, mas amiúde fatais a prazo. Cada coisa a seu tempo. E tem-no, Ulisses Correia e Silva, muito e promissor. O miúdo que o enlevado pai acompanhara a Lisboa para os estudos universitários e cuja protecção nos fora solicitada (um pouco menos jovens, nós) numa residencial ao pé do Marquês é já (parece, pelo menos) político traquejado e homem amadurecido, apesar da juventude.


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