quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ressonancias36

A vitória de Filú, as contas e os embaraços de JMN, as expectativas no MpD e a estória de Garrincha com os sóvias

1. A recentíssima disputa partidária entre Felisberto Vieira (FV) e Rui Semedo (RS), sobretudo quando se tem em vista o alinhamento dos notáveis por um e outro candidato, revelava já elementos importantes para se perceber como, no interior do PAICV, se faz a «leitura» do próximo ciclo político interno (congresso) e externo (legislativas e presidenciais). Não é novidade – basta ler trechos noticiosos e comentários insertos em imprensa próxima dos tambarinas – que em muitos segmentos do PAICV há sinais de alguma preocupação quanto ao futuro imediato, vale dizer relativamente à perspectiva de manutenção do poder dentro de ano e meio. A entrevista de Spencer Lima não pode ter sido apenas inocente. A reacção à flor da pele de José Maria Neves (JMN) ao convívio de diversas personalidades com Aristides Lima, em apoio a uma candidatura presidencial, não terá sido um desabafo num dia mal iniciado. Pressente-se, em escritos, em ditos e sussurros, a visão da necessidade, vital, de novo impulso político, de renovação de discurso e de ideias, de caras, ao mesmo tempo que os interesses e as ambições (se se quiser, as sensibilidades) se mostram e se confrontam abertamente.
A vitória expressiva de FV, se não constitui de todo surpresa para qualquer observador atento da realidade política local, introduz, porém, sobretudo pela sua dimensão e pelo claro envolvimento, ao lado do autarca recentemente derrotado por Ulisses Silva na Praia, de conhecidas figuras da velha guarda paicevista, a par de companheiros de José Maria Neves (antigos companheiros?) nas campanhas eleitorais internas em nome do reformismo socialista democrático, um factor de ponderação em qualquer análise que se faça do curto prazo. Há claramente uma erosão de fidelidades a JMN, anómalos alinhamentos de alguns «reformistas» (jovens turcos nos finais da década de noventa, quando o MpD começava a dar sinais de enfraquecimento e de algum desnorte estratégico) com os sectores piristas, enfim, um «cerco» visível a JMN e aos que continuam a ser fiéis ao líder partidário.
Curiosa e significativamente, ouvimos há dias, num programa televisivo, da parte de Corsino Tolentino, um histórico do PAICV, personalidade experiente e madura, algo como isto: FV, com esta vitória expressiva, pode legitimamente disputar «tudo» no seio do PAICV.
Significará este rápido regresso de FV – indubitavelmente a reforçar a ideia de que se trata de um político combativo, «duro de roer», para usar expressão por ele escolhida numa conferência de imprensa – que, de facto, ele (e os «seus», os que jogam por dentro e, sobremaneira, os que jogam por «fora») está disposto a «tudo»? Digamos desta forma grossa: estará Filú tentado, por exemplo, a empurrar JMN para fora do tabuleiro eleitoral de 2011?

2. Não nos parece verosímil um tal cenário. FV sabe, os apoiantes mais lúcidos de FV sabem, sabem-no ainda todos os segmentos hoje críticos de JMN e da sua condução governamental que Neves é ainda, seguramente, o mais forte trunfo eleitoral do PAICV, a sua figura disponível mais bem apetrechada – política, eleitoral e simbolicamente – para se apresentar, em condições de sucesso, nos embates eleitorais nacionais que se aproximam. É ainda o rosto mais atraente e mobilizador do partido. Pode estar JMN hoje com menos capacidade de manobra para decidir, à vontade e com quase inteira liberdade, os dossiers políticos, designadamente o presidencial, melhor, se escolhe uma candidatura à chefia do governo, apoiando um «seu» candidato presidencial ou se opta pelo desafio presidencial, criando condições para apresentar um de seus indefectíveis (p.e., Manuel Inocêncio de Sousa) como possível primeiro ministro do país. Pode JMN hoje não ter as condições para dar cartas como bem quiser ou entender, mas, a não ser que haja até finais do próximo ano algum terramoto político, continuará a ter um poder de influência e de decisão inatacáveis no seio do PAICV. A vitória é, sem dúvidas, importante para Filú e para os seus apaniguados e para os seus apoiantes «tácticos», mas não deixa de ser apenas um triunfo numa região partidária, sendo coisa diferente uma eleição nacional, a ser decidida pela sociedade e não por uma dezena de milhar de militantes. E acaba de perder eleições na capital do país. O «cerco» a JMN apenas significará, eventualmente, que este terá menos espaço de liberdade e poderá ser obrigado a negociar posições e a prescindir, talvez, de impor uma das duas candidaturas. Poderá ser forçado, singelamente, a preferir ter um pássaro na mão a ter dois pássaros a voar. A tentá-lo, já que, objectivamente, a conjuntura não lhe é favorável.

3. Podemos estar enganados, mas o ambiente parece verdadeiramente de fim de ciclo político, a não ser que a oposição, nomeadamente o MpD, cometa ou seja levado a cometer asneiras para além do razoavelmente permitido e/ou o PAICV consiga retomar o domínio dos acontecimentos políticos e a proeza de inverter o rumo da economia, o que não surge como fácil na situação em que estamos a viver.

4. A não ser, enfim, que o MpD, que deverá estar vacinado contra erros de gestão do poder e das diferenças, para não falar das vaidades (o MpD geneticamente é um partido de sensibilidades, continua a sê-lo em alguma medida e deve continuar a sê-lo ainda por alguns anos), não faça uma leitura inteligente e lúcida do presente e do futuro que o leve a fazer as escolhas mais acertadas, sérias e eficazes, e se deixe enlear pelo canto sedutor de vozes melífluas, apetecíveis, mas fatais no seu potencial suicida. É que a verdade é que só uma euforia desmedida e ligeira pode fazer acreditar que uma vitória, e uma vitória em duas mãos, em 2011, são favas contadas. A curta história política de Cabo Verde em democracia serve para desenganar os incautos.

5. Talvez a despropósito, e por estarmos a vislumbrar tempos próximos de veraneio, nos lembremos de um divertido episódio, real ou ficcionado, contado num jornal desportivo, a propósito do famoso Garrincha, extremo-direito virtuosíssimo do Brasil: em vésperas de jogo difícil com a, então, poderosa selecção soviética de futebol, o treinador dizia a Mané «você segue pela direita, aparece fulano, finta-o pela direita, vai à linha, cruza entra de cabeça Vává e marca o golo; depois, você tem pela frente o lateral esquerdo dos russos, mete-lhe a bola entre as pernas, guina pela direita, faz uma simulação, cruza certinho e curto para o meio e aparece fulminante Zagalo, de canhota, para o golo». Perante tanta facilidade e tamanha precisão, pergunta ingenuamente Garrincha (justa ou injustamente visto como extremamente… vá lá, inocente: «Mister, mas então está tudo acertado com os caras russos?!».


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