quinta-feira, 11 de março de 2010

A REMODELAÇÃO GOVERNAMENTAL VISTA A PARTIR DA TERRA DE “NHO TATAI”

Lá nos confins siderais
Brilham astros singulares
Mas, na terra, um brilhou mais
Para sempre: Eugénio Tavares
Pedro Figueira, 1952



Acabo de chegar a Vila de Nova Sintra, depois de uma visita a Nossa Senhora do Monte, no quadro das jornadas parlamentares descentralizadas do MpD, e não pude fugir à tentação de lançar um raso olhar (necessariamente superficial pelos imperativos da agenda) sobre a recente remodelação governamental levada a cabo pelo premier.


Em regra, qualquer remodelação do governo, seja ela a nível da orgânica, seja de protagonistas, deve corresponder a duas respostas essenciais: Por um lado, a avaliação do percurso realizado pelo executivo quanto à eficácia dos objectivos traçados e por outro lado, responder com clarividência e sentido estratégico às expectativas das pessoas.

Com esta remodelação fica claro que não era desejo firme de José Maria Neves mexer na estrutura do governo e verdade seja dita, ela se consubstanciou em mais uma alteração da orgânica do que propriamente numa mudança efectiva da equipa governativa.

Fica igualmente claro, que estamos perante uma operação de cosmética, que frustra profundamente as expectativas dos cabo-verdianos, no que ainda resta deste governo em desgaste e em ritmo acelerado de fim de ciclo, razão bastante para a recusa de convites para a entrada no executivo de importantes personalidades próximas do partido da situação.

Em matéria de falhanço de expectativas há uma evidente similitude com a crónica situação de isolamento e abandono da ilha de Eugénio Tavares (carinhosamente tratado por “Nho Tatai” pelos bravenses). É que, efectivamente, são cada vez mais notórios os sinais de descrença dos cidadãos desta ilha em relação aos poderes públicos. Uma ilha com potencialidades várias e com direito à felicidade e à integração no contexto do desenvolvimento nacional, continua ainda à margem das oportunidades e das opções do Governo liderado por José Maria Neves.

A discriminação que a Brava tem sofrido deve mobilizar toda a classe política e a sociedade civil cabo-verdiana. Ninguém com sentido patriótico e humano pode aceitar a falta de atenção e a ausência de políticas que contribuam para a integração da Brava, no quadro de uma verdadeira política de desenvolvimento regional e de incremento da economia local. Os bravenses (tal como Nho Tatai) devem consciencializar-se que, só pela via da resistência e do aumento da auto-estima podem sair da “escuridão” e trilhar um caminho de novas esperanças, capaz de fixar a população residente, atrair o retorno e o investimento dos seus emigrantes e investidores nacionais e estrangeiros, mormente na prometedora área do turismo ecológico (existirá lugar mais aprazível que a Vila de Nova Sintra?).

A remodelação também frustrou as expectativas de todos quantos (inclusive, militantes tambarinas) esperavam por mudanças fundamentais na sequência do aparato mediático e político que marcou o XII Congresso do PAICV, marcado pela consagração de Neves como líder incontestável do partido.

A recente remodelação veio, de certa forma, dar razão à tese, não raras vezes veiculada e reforçada com a recente disponibilidade de Manuel Inocêncio Sousa à Presidência da República, de que José Maria Neves e o superministro das obras públicas são os verdadeiros motores do executivo, exercendo em simultaneidade a coordenação política e económica do governo. A assunção da pasta da economia é sinal claro do premier, relativamente ao relançamento do sector, mormente na economia real, no incentivo ao empresariado nacional e na facilitação do investimento externo, sem as habituais reticências da titular das Finanças. Não era difícil notar as relações pouco amistosas entre os titulares da Economia e das Finanças. José Maria Neves quererá igualmente, com a coordenação de algumas áreas importantes, influenciar não só o ritmo da governação, como alguns processos políticos de primeiro plano, como é o caso do dossier presidencial, onde já terá assumido compromissos estratégicos com o seu indiscutível braço direito.

Se por um lado, o assumir da coordenação da política económica por Neves, essencial num momento de desafios e ameaças vários, poderá ser visto por muitos como um sinal de responsabilidade individual pelo sucesso ou insucesso nesta área, por muitos outros será visto como um autêntico desnorte do governo. Aliás, este governo nunca soube lidar bem com questões económicas, sobretudo no desenvolvimento da economia real, capaz de estimular o desenvolvimento empresarial ao nível das pequenas e médias empresas e no combate ao desemprego. Acredito que este sector, se tornou ao longo da década no grande calcanhar de Aquiles de José Maria Neves, resultado igualmente da ausência de liderança da política económica. Com o Primeiro-ministro, são já seis os titulares da pasta da economia, realidade elucidativa da instabilidade no sector.

Se as saídas de Vera Duarte na Educação e Manuel Veiga na Cultura eram certezas absolutas, as nossas dúvidas situam-se no quase esvaziamento do sector da Cultura, que agora passa a integrar o Ministério do Ensino Superior e Ciência. Acredito que um sector com a importância da Cultura deveria continuar a merecer a mesma dignidade na orgânica do governo, não só deste, como de todos os governos de Cabo Verde, pelo seu significado, mas sobretudo pela importância que tem no contexto do desenvolvimento económico e da afirmação do país no mundo. Deu-se claramente um passo atrás, na adopção e implementação de uma verdadeira política nacional da cultura.

Outra nota de registo é a criação do Ministério das Comunidades, a ser tutelado pelo meu conterrâneo mosteirense, Sidónio Monteiro. Em tese, há muito que se justificativa a criação de um ministério capaz de responder directamente pelas questões ligadas às comunidades emigradas, promovendo a sua integração nos países de acolhimento (num contexto mundial altamente difícil para os emigrantes) e a sua participação no processo de desenvolvimento do nosso país. Nisto estamos todos de acordo. O problema que se coloca é ao analisarmos o timing escolhido por Neves para a sua criação. A um ano das legislativas esta mediada torna-se controversa e digna de dúvidas sobre as reais intenções do Chefe do governo. A história eleitoral recente na emigração não aconselharia tal decisão, propiciadora de um clima de crispação política entre os principais actores políticos. O facto é que o Ministério já está criado, e a nossa esperança é que tal medida sirva os verdadeiros interesses das nossas comunidades emigradas, que aliás, estão acima de quaisquer lógicas de engenharia ou aritmética eleitoral.

A remodelação governamental protagonizada por José Maria Neves não terá correspondido também às expectativas dos cabo-verdianos, relativamente ao sensível e problemático sector da segurança, onde o governo terá que dar respostas urgentes e inadiáveis, sobretudo na prevenção e combate ao crime. A tarefa é de todos nós, mas é, em primeira linha do Governo da República. Qualquer tentativa de desresponsabilização nesta área poderá revelar-se fatal para a necessária estabilidade e paz sociais para o nosso país.

A responsabilidade pela segurança (área de soberania), longe de ser uma questão exclusiva do Ministro, é sobretudo uma incumbência de todo o governo, e será sempre o Primeiro-Ministro a assumir as principais responsabilidades pelas consequências que encerra. O primeiro-ministro perdeu oportunidade única para reequacionar a orgânica deste sector central da política nacional, mormente pela importância que assume no quotidiano dos cabo-verdianos e das famílias, no turismo e na nossa relação com os principais parceiros de desenvolvimento, como os Estados Unidos e a União Europeia. Entendo, pois, que se deveria dar ao Lívio Lopes, um Secretário de Estado, capaz de se ocupar directamente pela problemática do crime. É que o Ministro da Administração Interna já tutela as importantes áreas da Imigração e Fronteiras, Protecção Civil, Transportes Rodoviários e a polémica área do Processo Eleitoral.

Com elogios e críticas, o facto é que se deve dar sempre o benefício da dúvida a quem assume funções governativas. Estaremos todos aqui, dentro de doze meses, para avaliar os resultados desta legítima prerrogativa de um chefe do governo: Escolher cidadãos da sua inteira confiança pessoal e política para exercer as nobres funções no Governo da República, sempre ao serviço das comunidades. A ver vamos!

Lourenço Lopes – Vila de Nova Sintra, 2 de Março de 2010.

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